Contos de terror - Passeio Noturno

Eu estou ouvindo todos gritarem por meu nome, gritos insistentes, desesperados. Posso ver luzes rodopiando, procurando em cada canto por mim. Mas a menina sentada á porta do salão branco está me fitando, séria e confiante.

-Vai ser um ótimo passeio. - meu pai disse.

Um passeio noturno no zoológico não era bem o que eu queria fazer, mas tendo em vista que era o mais emocionante que ele poderia me oferecer, aceitei. Afinal de qualquer forma poderíamos ficar um tempo juntos, em paz.

Mamãe ficou com a tarefa de agendar o passeio, afinal eram poucas vagas e era relativamente caro. Portanto significava que alguma atenção estava sendo direcionada exclusivamente para minha pessoa. Ela ficou quarenta minutos falando no telefone combinando data, horário e forma de pagamento.

No grande dia papai estava radiante. Comemos algo leve á tarde e seguimos para o zoológico.

Num grande salão verde, três guias nos orientaram sobre os cuidados que deveríamos ter ao caminhar durante a noite num zoológico com pouca iluminação, sobre o trajeto que iríamos fazer e sobre como nos comportarmos caso cruzássemos com um morcego desavisado.

Ao final do passeio poderíamos lanchar tranquilamente conversando sobre os animais vistos e como era muito mais interessante vê-los à luz do luar.

Eu não me lembro exatamente quando entrei na rua errada, mas vi um grande salão branco e era o único ponto mais iluminado de todo aquele espaço, talvez por isso não me procuraram ali. Seria por demais óbvio que eu estivesse no ponto mais seguro do local.

Era a sala das aves, conforme dizia a plaqueta na porta entreaberta, e havia uma menina muito bonita sentada no degrau que antecedia a entrada desse recinto. Pálida e cativante, com olhos negros como a noite que cobria o zoológico.

Eu tinha quase certeza que já havia sonhado com aquele lugar. Na verdade tinha certeza que sabia o que havia dentro daquela grande sala. Eu sabia que durante o dia várias aves voavam quase livremente naquele espaço. Mas não tinha ideia do que encontraria lá, naquela noite, quando finalmente cedesse ao olhar penetrante daquela menina fantasmagórica e entrasse naquele lugar.

Eu ainda podia ouvir os berros alucinados dos guias, dos outros visitantes e de meu pai. Mas quando entrei e vi apenas uma, e somente UMA ave grande e negra, tive certeza que estava vivendo o momento mais importante de minha vida, assim como nos filmes em que o herói se vê frente a frente com seu inimigo, na sua batalha final. Porém eu não teria que lutar com ninguém. Com doze anos de idade, me vi frente a frente com uma ave horrenda, que apenas me olhou e piscou lentamente. Olhos amarelos. Ela tinha olhos amarelos.

Senti algo como um choque e pude ouvir o barulho de minha pele sendo arrebentada de dentro para fora. Enormes penas negras saltavam em meu corpo, me cobrindo e me transformando, como numa bela metamorfose natural, mas só que aterradora. Eu nem gosto de lembrar a dor que senti ao deixar de ter uma boca. Eu só me dei conta do bico quando ele já estava lá, pronto.

E então, eu era eu.

E nada mais. Apenas eu.

Alguns anos depois, ou dias, mas não horas, tenho certeza que horas não, eu passei por perto de minha antiga casa.

Não sei bem qual era a aparência de meu pai, pois não tenho noção alguma de tempo. Mas pude senti-lo.

E tenho certeza que ele estava sentado em minha cama, com meu aparelho de som ligado, ouvindo Beatles. E a música era “I me mine”.

Conto enviado por email
Autor: Nilton Ribeiro

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