Contos de terror - Eles não querem estar mortos
Em um estado corrupto, muitos inocentes morrem direta ou indiretamente por causa da ação de políticos envolvidos nessa engrenagem maldita.
Polícia matando bandido, bandido matando polícia, civis vítimas de bandidos, de policiais vendidos, despreparados ou pelo simples fato de estar no local errado na hora errada.
A sociedade vive nesse caos, nesse círculo interminável de violência onde somos apenas atores facilmente substituídos, somos cordeiros esperando o lobo.
Mas de vez em quando as coisas são diferentes: um ser, talvez um fantasma ou apenas a vontade da sociedade emanada, transportada para o mundo físico, toma forma para vingar aqueles que perderam a vida por causa da corrupção.
O deputado Fernando Fontes tomava café da manhã calmamente com sua esposa e filho adolescente. Na tevê ligada as suas costas ele ouviu a repórter dar a notícia que um menino de oito anos havia sido morto após ter sido vítima de um tiro de fuzil durante um protesto contra a desocupação de um prédio, no centro da cidade.
-Não é o prédio que você pressionou na câmara dos deputados para que o governo tomasse posse? Perguntou a esposa sem desviar os olhos da televisão.
-Sim, foi uma construtora financiadora da minha campanha e a do governador. Precisávamos pagar o favor, eles vão construir uma estrada que corta exatamente onde fica esse prédio. Respondeu O deputado enquanto desviava seus olhos para o seu celular para ver as horas.
Seu filho adolescente levantou-se da mesa, despediu-se dos pais e pegou sua mochila.
-Boa aula, Alberto!
-Obrigado pai! Respondeu o garoto.
Cinco minutos depois o telefone do deputado tocou era seu filho para o alertar que a imprensa estava em seu portão.
Respirou calmamente se despediu do menino desligando o telefone, chamou seus dois seguranças e caminhou para a garagem com a soberba que só quem está seguro de estar acima de todas as leis possui.
-Acelera! Ordenou em um tom frio para o seu motorista.
O carro saiu da garagem cantando pneu, obrigando alguns repórteres a pularem para os lados para não serem atropelados.
-Dentro do carro Fernando se mantinha quieto, conversando por WhatsApp com seus assessores:
-Temos que soltar uma nota sobre a morte do menino!
-Sim deputado, já estamos cuidando da nota juntamente com a equipe do governador, vamos dizer que o que aconteceu foi uma fatalidade, que o policial responsável assim que for identificado será punido e prestaremos toda a assistência à família do menino, e também vamos dizer que a construção da estrada é de suma importância para o desenvolvimento da nossa cidade.
- A imprensa tem alguma prova do superfaturamento da obra?
-Nada. Fique tranquilo Fernando.
Fernando guardou o telefone no bolso e observou a cidade pela janela, estava triste pelo menino, mas não se sentia culpado pela sua morte, culpado era a família que manteve a criança no local fazendo a manifestação. Manifestação não. Bagunça! Bando de baderneiros!- pensou ele. Eles invadiram aquele prédio, sabiam que não pertencia a eles, agora não tinham direito a reclamar que o Estado quisesse de volta o prédio.
Ao chegar a câmara dirigiu-se rapidamente ao seu escritório, não tinha ninguém, todos deviam estar tratando de soltar a nota à imprensa.
Na sua cadeira repousava um ursinho de pelúcia sujo de sangue.
Fernando o pegou com as pontas dos dedos enojado e o jogou no lixo.
Teve um dia de trabalho atribulado, teve que atender vários ´patrocinadores da sua campanha, atender assessores do governador e ainda lhe dar com a imprensa.
A tardinha recebeu uma ligação de sua esposa o avisando que passaria uma semana na casa de campo da família com seu filho e pediu para que ele os encontrasse lá, Fernando concordou dizendo que os encontraria amanhã pela manhã. A ideia era boa, se afastar até que as coisas esfriassem, ainda estava longe das eleições se alguma merda deveria acontecer, este era um momento excelente, o povo tem memória curta, nas próximas eleições ele estaria com a imagem incólume novamente.
Chegou em casa as nove da noite cansado, tomou um banho e se deitou, adormeceu assistindo os Simpsons.
Acordou assustado com o coração disparado sem saber o porquê, sentia a presença de algo dentro do quarto com ele, mas não via nada! Assustado acendeu a luz do abajur.
Ficou sentado na cama e observou o quarto. Aos pés da cama o ursinho de pelúcia sujo de sangue sorria para ele, e não era apenas isso, os olhos pareciam maiores e aquele sorriso não existia antes, isso o assustava mais do que pensar em como diabos aquele ursinho tinha ido parar no seu quarto.
Uma música, que lembrava ao deputado o som de um violino triste ecoava na sua cabeça, o estranho era que ele sabia que aquela música estava apenas em sua cabeça.
A porta do seu quarto abriu lentamente e Fernando viu um vulto pequenino passando correndo em direção a sala, levantou-se rapidamente e fechou a porta. Ao virar-se novamente para a cama, viu um homem que parecia ter mais de dois metros de altura com uma pintura no rosto parecida com um pierrot. As vestes eram Negras e de um de seus olhos escorriam lentamente lágrimas de sangue.
-Quem é você? Gritou assustado.
O homem apenas o observou. De trás dele surgiu um garotinho de cabeça baixa, vestindo uniforme de uma escola pública.
Aquilo não era possível! Esse garoto não pode ser o que foi assassinado mais cedo. Pensou o deputado.
O garotinho andou lentamente em direção ao ursinho na cama e o segurou.
No instante que o menino se aproximou Fernando percebeu duas coisas: 1° Havia um buraco pequeno em sua testa, provavelmente o ferimento causado pelo tiro de fuzil. 2° quando o garoto se agachou para segurar o seu urso o deputado viu o estrago causado pela saída do projétil, um buraco do tamanho de uma maçã destruiu completamente a parte de trás da cabeça do menino.
Em seu desespero o deputado tentou sair correndo do quarto mas ao abrir a porta, uma mulher grávida e nua, em avançado estado de decomposição o abraçou se lamuriando:
-Salve meu bebê.
-Salve meu bebê.
Enojado Fernando a empurrou derrubando-a de costas no chão, de suas pernas carcomidas, Fernando observou um pequeno braço cadavérico que balançava sem vida.
´-Essa é uma vítima das verbas desviadas dos hospitais públicos que você e sua corja desviaram para atender unicamente a seus interesses. A gravidez dela era de alto risco, mas ela não conseguiu o atendimento a tempo.
O deputado olhou para o pierrot e se lamentou: -Eu não tenho culpa disso!
-Também não tem culpa da morte desse menino? Perguntou enquanto abraçava a criança fantasma que se distraia com seu urso.
-Essa noite deputado, você vai responder pelos seus pecados! Da boca do pierrot saiu uma língua bifurcada, de mais ou menos dois metros de comprimento, que foi em direção ao pescoço de Fernando que desviou horrorizado e correu para o corredor.
Desceu a escada em alta velocidade e apenas de soslaio reparou a mulher em pé na murada da escada que pulou atingido o solo no mesmo momento que ele chegou no primeiro andar, o grito que ela dava ao cair era horrível, a queda parecia quebrar todos os ossos do seu corpo, mesmo a altura não sendo suficiente para isso, ela se contorcia gemendo e girava o torso em trezentos e sessenta graus e ficava andando em círculos até desaparecer e aparecer novamente na murada para pular novamente, o tempo parecia congelado para ela. Vivia nessa repetição constante.
Essa mulher é uma outra vítima sua! Escutou a voz do pierrot em sua cabeça. Teve o marido morto atropelado por um jovem bêbado que escapou por ser filho de um vereador, o garoto jamais foi punido, como resultado ela não aguentou e pulou de um prédio.
Correu para a porta quando se deparou com uma silhueta do lado de fora socando a porta e ordenando: -Policia Militar, abra essa porta!
Afoito e aliviado o deputado abriu a porta e se arrependeu no mesmo momento, um policial possuindo apenas a metade esquerda da face o acertou no rosto com a coronha do fuzil que portava jogando Fernando ao chão e causando um sangramento em seu nariz.
Fernando tentou rastejar, mas foi pisoteado e chutado pelo policial, outras aparições foram surgindo e o agredindo também, lamúrias, gritos, risadas se misturavam na sala enquanto o deputado sentia sua carne sendo rasgada.
Depois de algum tempo as aparições foram se afastando. Ensanguentado o deputado levantou a cabeça e se assustou com a quantidade de fantasmas que estavam em sua sala, passavam de cem facilmente.
O pierrot se aproximou e o levantou do chão pelo pescoço com uma mão, agora seus olhos estavam com uma cor vermelho fogo. Em suas mãos apareceram garras que machucavam o pescoço de Fernando.
Só há um jeito de você se ver livre disso e a solução está em cima da sua cama. Se não aceitar você irá sofrer com a gente por toda a eternidade. Olhe para fora! Ordenou a criatura jogando o deputado no chão.
Fernando olhou para sua rua que estava apinhada de fantasmas, todos com um olhar furioso no rosto, todos queriam sua carne. Chorando o político se dirigiu para o pierrot e implorou:
- Eu faço qualquer coisa, diga o que quer!
- Eu faço qualquer coisa, diga o que quer!
-Dor só se paga com dor, eles querem sangue. Sangue dos causadores de seus sofrimentos, lhes dê isso e você estará livre! -Respondeu a criatura.
-Sim, qualquer coisa, por favor mas me deixem em paz! - Disse choroso o político, fechando os olhos.
Ao proferir essas palavras o deputado ficou sozinho em sua sala. Então subiu as escadas lentamente até o seu quarto, achou uma pistola em sua cama e a segurou por um momento antes de coloca-la no criado mudo. O dia estava amanhecendo, ele sabia o que tinha que fazer para escapar desse sofrimento.
Precisamente as oito da manhã do dia seguinte o Deputado Fernando pediu para seus assessores entrarem em contato com vinte deputados da base aliada do governo e marcar uma reunião de emergência em sua residência.
Desses vinte, doze compareceram à casa do deputado e foram levados por um funcionário a sala de reunião.
Os deputados estavam inquietos com a demora do Fernando em aparecer. Quando finalmente ele apareceu ele estava estranho, tinha hematomas no rosto e parecia assustado.
-O que aconteceu com você Fernando? Perguntou o deputados Isaías.
Sem responder o colega de profissão, Fernando sacou a pistola e o atingiu com um tiro.
O pânico tomou conta da sala e Fernando começou a dar disparos a esmo, o pente da pistola era especial em vez de dez tiros, ele tinha quatorze para doze pessoas. Se alguém ficasse vivo ele ainda tinha uma faca na cintura.
Quando finalmente descarregou a pistola, contou cinco deputados ainda vivos lutando pela vida no chão, se aproximou calmamente de cada um com a faca não mão e as enfiava continuamente em seus corpos.
O último deputado vivo, que havia sido atingido por um tiro na barriga, se arrastou de costas na parede tentando fugir de Fernando que se aproximava lentamente com um sorriso no rosto e com o corpo coberto de sangue de seus companheiros. Tentando lutar pela vida sussurrou com toda a força que ainda lhe restava:
-Não por favor!
-Não por favor!
Mas de nada adiantou Fernando desceu a faca sobre o corpo do último deputado, e enquanto a vida esvaía de si a última coisa que o deputado observou foi um garotinho montado nas costas de Fernando que sorria.
Por FABIO ONEAS
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